PRESENTE DE GREGO
Esta
expressão permeia o senso comum e, apesar de muitas pessoas não saberem o que
significa ou sua origem, a utilizam pela compreensão de que, um presente de
grego, é algo que ganhamos, que não negamos mas que não nos é útil ou mesmo agradável.
No
entanto, dar um presente de grego é, por vezes, a forma que encontramos para
resolver um problema. Bem, comigo foi assim. Melhor dizendo: com a minha mãe
foi assim.
Nos
anos 90, os animais de estimação ainda não tinham o tratamento cinco estrelas
que têm hoje. Morávamos numa casa com quintal, já tínhamos o nosso cão de
guarda, um rabugento poodle stander
(grande e peludão) que ficava no quintal. Tinha seu canto, ficava preso e acho
que esse era o motivo da rabugice.
Não
era raro nos encantarmos com cãezinhos fofinhos abandonados nas ruas do bairro
e tentar trazê-los para casa. Mas, para amolecer o coração de pedra de minha
mãe, era difícil. Afinal, alguém tinha que ser firme, colocar ordem na casa.
Mesmo
sua firmeza não foi capaz de resistir àquela cadelinha pretinha, faceira,
amorosa e abandonada. Sim, adotamos nosso segundo bichinho de estimação, nossa
cadelinha Laika.
A
Laika cresceu e, com quatro filhos para sustentar, meu pai não tinha grana para
castrá-la. Apesar das tentativas de afastá-la do Lorde (o macho) no período do
cio, vocês sabem, a natureza sempre vence.
Assim,
nove lindos filhotinhos nasceram. Ah, mas a Laika não era uma mãe exímia e o
Lorde ficava irritado com os seus herdeiros. O fato é que, em algumas semanas,
eles iam parar na porta da casa choramingando de fome. Passamos a alimentá-los
com mamadeira.
Essa
parte era uma delícia. Nos sentíamos cuidando de bebês: minha mãe dava a
mamadeira, eles arrotavam e ficávamos com eles no colo, após uma mamada bem
dada, e admirávamos seu soninho. Mas, a parte chata, lavar o quintal, as
vasilhas, alimentar os pais caninos, ficava pra minha mãe. Hoje, tendo minha
própria casa, entendo o lado dela.
Precisávamos
dar um destino àqueles filhotes. Não eram de raça, não havia internet para
anunciar. Com as lojas de cães (não se chamavam pet shop ainda) cheias de animais doados, o que fazer?
Bom,
aí vem a ideia do “presente de grego”. A primeira “vítima” foi uma amiga de
infância. Devidamente orientada pela minha mãe e com toda a minha cara de pau,
cheguei com aquele “pacotinho” na casa da minha amiga. Colocamos até um lacinho
vermelho no pescoço dela, para enfatizar o status de “presente”. Lembro-me, até
hoje, que ela estava em casa com o pai dela. Eu cheguei lá e disse: “olha,
trouxe um presente pra você!”
Ela
olhou, claro que, adolescente que era, ficou encantada. Mas, precisava do aval
de um adulto. O pai, disse: “ah, já que é um presente, não temos como recusar, agradeça
sua amiga”. Duvido que, se fosse a mãe dela, seria assim tão fácil. Na verdade,
fui preparada para ouvir o sonoro não da mãe dela. Tive sorte!
Bem,
outros foram dados de “presente” para outras pessoas, mas ainda restava um.
Minha mãe conseguiu uma “voluntária” que adotaria o cãozinho, mas nada é tão
simples. Ficamos eu e minha irmã incumbidas de levar o cachorro ao ponto de
encontro.
Adolescente
gosta de aparecer quando está entre amigos. Quando está no resto do mundo, quer
mais é se esconder, que dirá pagar um mico! Como meu pai estava ausente com o
único automóvel da família, tivemos que levar o cãozinho até o centro da Penha,
e o ponto de encontro marcado era a entrada principal do recém-inaugurado
shopping.
Levamos
o cãozinho numa caixa de papelão. Quem desconfiaria que havia um animalzinho lá
dentro? Na ida, foi moleza, porque ele não fez nenhum ruído. Naquela época, nem
se pensava em levar um animal de estimação num ônibus. Bem, seria fácil a
partir dali: entregaríamos a “encomenda” e pronto!
Sentadas
na entrada do shopping, tivemos que tirar o cãozinho de dentro da caixa, para
dar água, ver se queria fazer xixi ou mesmo cocô. Ah, viramos o centro das
atenções! Todos que passavam por nós mostravam aquela cara de gente quando vê
uma coisa bem fofinha. Aquelas caras, aquelas falas infantilizadas e lá
estávamos nós duas no centro das atenções. Que vergonha!
A
amiga da minha mãe demorou uma eternidade (pelo menos pareceu uma eternidade!).
Quando chegou, teve o mesmo comportamento das pessoas que viram aquela fofura.
Bem, encomenda entregue, pernas pra que te quero. Não, não ia ser tão simples!
A
amiga da minha mãe pediu pra nós irmos embora junto com ela. E, adolescentes
bobas como éramos, não sabíamos falar não. Não tínhamos contado com isso, não
ensaiamos nenhuma desculpa e, pegas de surpresa, qualquer desculpa soaria
falsa.
Pegamos
um ônibus no ponto final. Conseguimos sentar lá no fundo. O ônibus lotou! E,
adivinhem: o cachorrinho começou a chorar! Chorou a viagem inteira, pelo menos
até nós duas descermos.
Que
vergonha! Todo mundo olhava para o fundo do ônibus. Todos procuravam de onde
vinha aquele ruído. E a amiga da minha mãe falava: “balança a caixa pra ele
parar de chorar”. Dava certo mas, a cada parada do ônibus, lá vinha aquela
choradeira novamente.
Aquela
viagem durou uma eternidade. Até o cobrador olhava desconfiado lá pro fundo.
Ele só não nos mandou descer, porque o ônibus estava muito cheio pra que ele
conseguisse ir até o fundo do veículo.
Bem,
aquele presente foi um verdadeiro presente de grego, não só para a amiga da
minha mãe, mas para nós também. Foi uma verdadeira missão. E que alívio quando
descemos!
Nunca
mais tivemos notícias dessa amiga da minha mãe. Eram amigas do local religioso
que frequentavam. Aliás, nunca mais perguntamos. Vai que ela, contrariando a
boa educação, decidisse devolver o presente e tivéssemos que ir busca-lo! Não,
acho que dessa vez, não aceitaríamos a devolução.
Comentários
Postar um comentário