Quero compartilhar com vocês um texto que escrevi sobre minha prática para um curso de formação. Espero que a sensibilidade e sinceridade das minhas palavras possa tocá-los.
Antes de relatar sobre minha turma de 1ª série, quero ressaltar que ser professor alfabetizador é, antes de tudo, correr riscos. É lançar-se, é acreditar no inesperado, é dedicar-se mas (e apesar de tudo isso) é gratificante. Acreditar que todos são capazes de aprender é fundamental e fazê-los acreditar nisso é mais ainda, pois quando o aluno percebe do que ele é capaz, adquire uma auto-confiança e estímulo inacreditáveis. Por isso, mesmo não conhecendo a proposta do curso Ler e Escrever (antes de iniciá-lo) eu já trazia comigo estas crenças.
Mas ainda estava muito apegada a métodos tradicionais, como as famílias silábicas, por exemplo. Entretanto, sempre tive comigo que a leitura é muito importante por ampliar o repertório do aluno e, assim, ele aprende a se expressar melhor e, quando adquire a escrita alfabética, certamente escreverá excelentes textos. Trazendo comigo estas idéias e convicções pude ver que estava no caminho certo quando comecei o curso.
Poderia falar sobre minha experiência do ano passado, mas vou limitar-me a este ano. Bem, no início do ano, fiz o diagnóstico inicial (primeira sondagem) que apresentou o seguinte resultado: 10 pré-silábicos, 5 silábicos sem valor, 4 silábicos com valor, 3 silábico-alfabéticos e 10 alfabéticos. Este panorama é comum no começo do ano, isso não me assustou. No entanto, o que me preocupou foi a imaturidade deles, comparando-se com a turma do ano anterior.
E, mais ainda, fiquei insegura quando descobri que tinha um aluno que mora em um abrigo, que nunca tinha ido à escola e não identificava nem sequer cores.
Pois bem, iniciei meu trabalho apostando que os alunos, mesmo não sabendo ler e escrever convencionalmente, poderiam aprender a traçar estratégias para chegar lá. No caso de atividades como as cruzadinhas e atividades do livro Ler e Escrever, principalmente as atividades com listas, eu dava pistas como :"começa com determinada letra e tem determinada quantidade de letras". Eles passaram a raciocinar de maneira diferente ou, talvez, o meu olhar tenha mudado.
Infelizmente, por um problema de saúde, me afastei por quarenta e cinco dias e fique extremamente apreensiva com a turma que iria encontrar quando voltasse.
Voltei há três semanas, e venho priorizando o trabalho com reescritas, produções escritas e atividades do Programa Ler e Escrever.
Nesta semana, realizei a terceira sondagem, obtendo o seguinte panorama: 2 pré-silábicos, 3 silábicos sem valor, 3 silábicos com valor, 5 silábico-alfabéticos e 16 alfabéticos.
Fiquei feliz e aliviada por eles terem avançado, e continuo acreditando que os que ainda não conseguiram, vão chegar lá. E, para minha surpresa, o meu aluno do abrigo está na hipótese silábica com valor sonoro!
Aprendi que, coisas que antes eu super valorizava, como a questão da letra cursiva e outras convenções não são essenciais. Parodiando, eu até digo que "o essencial, neste caso, é invisível aos olhos". Mas está na certeza de que todos são capazes e que não está só nas nossas mãos, enquanto educadores, fazer com que tudo dê certo.
Mudei muitas coisas, percebi alguns erros e outros que ainda não estou preparada para reconhecer. Mas sei que ainda preciso aprender muito. Acho, inclusive que, assim como as crianças, nós temos o momento certo para aprender. Mas o importante é estarmos dispostos a ousar, experimentar e não ter medo de tentar algo diferente. E, mais ainda, saber que os progressos não acontecem da noite pro dia, que ninguém tem "um estalo", mas que tudo é fruto do nosso trabalho e do nosso comprometimento.
Espero que que no final do ano eu possa redigir um relatório contando que todos os meus alunos estão alfabéticos, mas não quero fazer disso uma ansiedade e sim uma certeza de que estou no caminho certo.
Este texto foi escrito originalmente em 23/06, mas só agora tive a oportunidade e a coragem de publicá-lo.
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