Há alguns meses, uma amiga me pediu ajuda pois seu filho estava na 2ª série (atual 3º ano) e não estava alfabetizado. Desde que eu ingressei na rede estadual, tenho trabalhando com turmas de alfabetização. Fiz o curso Ler e Escrever ( conhecido por alguns como Letra e Vida ou PROFA) e confesso que ele foi um divisor em minha prática profissional. Aprendi muito, tenho aplicado o que aprendi e descobri que dá muito certo.
Toda vez que planejo alguma atividade me pergunto: "aonde quero chegar? o que pretendo que meu aluno aprenda? qual o significado pra ele? como ele poderá avançar?"
Eu peguei os cadernos dele, e comecei a analisar algumas atividades e, pasmem, encontrei algumas coisas bastante absurdas. Quero deixar claro que a mãe, por questões pessoais (e sem justificativa cabível) deixou a desejar no acompanhamento do rendimento de seu filho.
Entretanto, somando-se a ausência da mãe e a prática docente, o resultado só poderia ser este: o menino não avança.
Resolvi compartilhar com vocês algumas atividades que considero obsoletas e retrógradas, mas que ainda povoam o cotidiano escolar, colocando em xeque a possibilidade de nossos alunos aprenderem de fato.
Como podemos ver abaixo, de acordo com a lista ditada pela professora, o aluno (filho da minha amiga) está na hipótese silábico-alfabética. Agora, qual é o sentido de fazê-lo escrever "O caderno está na mesa" tantas vezes? Há tempos atrás é que, quando a criança errava alguma palavra no ditado, fazia-se com que ela reescrevesse tal palavra várias vezes, pois assim ela não esqueceria mais a grafia. Grande erro! Neste caso, se ela tivesse feito uma intervenção utilizando letras móveis, teria dado muito mais resultados.

Bem, esta atividade abaixo me chamou a atenção pelo sua proposta e pela falta de significado. Aqui observamos a visão de que será mais fácil apresentar o conhecimento com palavras, depois frases e depois o texto, ou seja, a visão tradicional que o conhecimento deve ser ensinado partindo-se do mais simples para o mais complexo. Agora, observe a última frase escrita pelo aluno: "O BURRO É UM BURRO." Parece até engraçado, mas não é. Nota-se que ele escreveu algo apenas para cumprir a tarefa, sem de fato refletir sobre o assunto. Não se apresentou nenhum desafio. Por que não propor a escrita em duplas de um texto baseado na figura, por exemplo?

A imagem abaixo é sobre gramática. Sabe-se que é importante utilizar texto e, através dele, trabalharmos ortografia, concordância, a própria gramática, coesão e coerência. Assim, qual o sentido de passar um "ponto" (não é como se dizia em nosso tempo???) explicando tecnicamente o que é um adjetivo pátrio? Será que ele, em outras situações, saberá utilizar este conhecimento para identificar e utilizar o adjetivo pátrio em outros contextos?

Por fim, a professora propôs a cópia de um texto enorme e, em seguida, eles escreveram algumas questões que seriam a interpretação do texto. Neste sentido, tenho um comentário a fazer. Nestes anos de trabalho com classes de alfabetização, confesso que não me prendo muito a cópias, pois não vejo muito sentido em que o aluno tenha uma letra maravilhosa, um caderno impecável e não saiba ler e escrever. Pois bem, nos anos seguintes, ouço colegas dizerem que "tal aluno não faz nada, não copia nada, é preguiçoso..."mas, cá entre nós, por que ele tem que copiar um texto tão grande se há livros na escola, se hoje podemos contar com xerox, impressoras com bulk in e outros recursos? Qual o sentido de fazê-lo copiar e depois apresentar questões de interpretação com alternativas em que a correta é óbvia demais e as outras são absurdas, que praticamente apresenta a ele a reposta correta? Não seria mais produtivo fazer a leitura do texto, seguida de uma roda de conversa , depois uma produção em duplas e finalizar com uma revisão coletiva? Desculpe meu radicalismo, minha crítica, mas é muito mais fácil manter os alunos quietos e ocupados por muito tempo trabalhando assim, enquanto se corrige cadernos ou se faz qualquer outra coisa burocrática, do que dedicar a atenção nestas atividades que nos exigem mais. Volto a dizer, ninguém é obrigado a saber tudo, mas alegar desconhecimento ou não ir em busca de novas práticas é inconcebível.

Estou correndo o risco, aqui, de ser bastante criticada, mas não tem problema. O problema maior, pra mim, é saber que este menino terminou o ano letivo na mesma hipótese de escrita. Quem se importa? Talvez quase ninguém, afinal a família não participava, não estava nem aí. Mas e nosso papel? Será que foi cumprido como se deveria? Eu não posso afirmar que, ao término do ano passado todos os meus alunos estavam alfabéticos, mas também não acho que era culpa da família. Eles avançaram muito, e eu respeitei o tempo deles. Fizemos projetos de reforço (por iniciativa do grupo maravilhoso de 1ª série) e eles melhoraram muito. Não foi o ideal, mas foi o possível. O mais importante é que eu saí com o sentimento de missão cumprida. E sei que eles chegarão lá, desde que encontrem um professor comprometido em realizar um trabalho realmente significativo, que os faça pensar, refletir, serem desafiados, questionarem, interagirem...Mas se eu tivesse feito atividades como as que aqui apresentei, não seria esse meu sentimento. Professores, atualizem-se! Esta é minha mensagem.
Neyde, achei muito importante e me foi muito útil as dicas juntamente com a análise de uma prática tradicional. Apesar de minha prática estar mais associada a grupos terapêuticos, também preciso me embasar em metodologias de educação, das quais me interesso muito pela pedagogia da autonomia e do diálogo.
ResponderExcluirConcordo contigo sobre a transcrição dos textos pelos alunos desnecessária, pois é perceptível que ao transcrever poucos deles fazem ao menos a leitura do texto, é portanto um trabalho alienado, o que difere da escrita na construção de texto - que penso ser muito mais construtiva.
De modo que as questões no início do texto sobre onde se quer chegar e do que se espera que o aluno aprenda, são fundamentais para esta reflexão!