Nesta obra, o autor nos faz refletir sobre alguns aspectos importantes que devem (ou deveriam!) ser analisados antes da implantação de mudanças no sistema público de ensino. Tais mudanças ocorrem geralmente de forma vertical, isto é, através de decretos ou resoluções sem que haja, efetivamente, um diálogo com os principais envolvidos no processo educativo: professores, pais e alunos.
Freitas, então, propõe uma análise das lógicas presentes na educação e que devem ser consideradas para mudanças na organização do sistema. Dentre essas lógicas, ele ressalta a lógica da escola e os aspectos pertinentes a ela. Um desses aspectos é a relação histórico-cultural que se estabeleceu por muito tempo: a dominação do aluno pelo professor. A obediência, o silêncio, a disciplina e a autoridade docente sempre foram exercidas de maneira a coibir qualquer comportamento subversivo, sempre mantendo a organização capitalista de exploração do homem pelo homem.
Um dos aspectos de manutenção dessa autoridade é a avaliação. O aluno ia para a escola para “tirar notas”, numa forma de ensino totalmente fragmentada e muito distante da vida social. Preparavam-se pessoas para terem “bons empregos” e os “bons patrões” eram formados pelas escolas da rede privada, como forma de manutenção da ordem social vigente.
A avaliação funcionava como forma de ameaça, a fim de punir aquele que fosse contra os princípios impostos pelo professor. Este por sua vez, formado neste contexto, também não refletia sobre sua prática. Esse panorama relaciona-se ao regime escolar seriado, isto é, ao final de cada ano letivo, o aluno que não tivesse desempenho considerado satisfatório, era reprovado e deveria, no ano seguinte, rever todo o conteúdo novamente.
Essa era uma prática excludente, uma vez que se agia como se esse educando não tivesse aprendido absolutamente nada, tendo de rever algo que ela já havia visto para, depois, rever as “matérias” em que ele havia tido mau desempenho. Acontece que, ter êxito a partir de um currículo que não lhe tinha familiaridade, pois era muito diferente do que ele vivenciava no seu cotidiano, certamente seria um fator de desestímulo, atrelado ao fato vexatório de ver seus colegas em outra série e tendo de conviver com outros que não correspondiam às suas expectativas, dada a diferença de idade. Isso ocorria por anos, até que o estudante saía da escola. Essa “exclusão silenciada” o fazia pensar que “não era capaz de aprender”. Nestes casos, a própria família o encorajava a desistir dos estudos.
Esse fato “retirava” da escola aqueles alunos indesejáveis, permanecendo apenas aqueles que se adequavam ao sistema. Por isso, muitas pessoas dizem, erroneamente, que a escola era melhor do que hoje. Claro: se analisarmos dessa forma, tirando-se os alunos indesejáveis, realmente só ficavam aqueles que se adequavam.
Neste sentido, era preciso que ocorressem mudanças no sistema para formar uma resistência a essa forma perversa de organização escolar. Assim, duas propostas foram colocadas em prática: em Belo Horizonte, o sistema de ciclos e, em São Paulo, a progressão continuada.
Acerca da progressão continuada, alguns pontos precisam ser analisados. Na tentativa de adequar a idade do educando à série, foi eliminada a repetência anual e, ao final do quarto ano, seria realizada uma avaliação para verificar o desempenho desses educandos. Além disso, o possível “bom desempenho” seria garantido com práticas compensatórias paralelas (reforço fora do horário, recuperação contínua e paralela).
Entretanto, esse sistema foi alvo de muitas críticas por pais e, sobretudo, por educadores. Disseminou-se a seguinte idéia: “ora, se antes os alunos estudavam pra ‘passar de ano’, agora todos passam, então, por que vão estudar?”. Os professores acostumados a utilizar a avaliação e as notas como forma de ameaça, agora se sentiam “sem tal poder”. Isso causou críticas ferrenhas e indignação de todos, visto que não houve uma discussão prévia sobre a necessidade de mudança das práticas e concepções pedagógicas.
Passada mais de uma década da implantação da progressão continuada, me pergunto: será que a escola já se recuperou? Ou, mais ainda, será que a escola já se adequou ao sistema? Para verificar isso, o governo paulista lançou mão de instrumentos de avaliação externa, como é o caso do SARESP, que visa avaliar o desempenho dos educandos ao final do ciclo e, caso a escola tenha êxito, os professores são “premiados” com um bônus. Fica, aí, uma questão importante: será que as práticas pedagógicas e a forma de avaliação comumente utilizada na escola correspondem à forma de avaliação do SARESP? Esse instrumento, de fato, garante um diagnóstico que possibilite a reflexão da comunidade escolar sobre como melhorar o ensino? Essas questões deveriam ter sido avaliadas antes da implantação da progressão continuada, de forma que ela fosse adequada às necessidades de mudanças na escola e tivesse a participação de todos. Uma mudança vertical, através de decretos e resoluções, certamente não é a forma mais democrática de propor uma escola que busque a qualidade da educação enquanto formação humana.
Outra forma de mudança foi implantada em Belo Horizonte, que é o caso dos ciclos. O autor procura enfatizar a diferença entre ciclos e progressão continuada, que vêm sido confundidas e que se faz necessário compreender que ambas se originam de diferentes concepções. No caso dos ciclos, o que se propõe é uma reorganização de tempos e espaços na escola, organizando-se em três etapas distintas: infância, puberdade e adolescência. Assim, o primeiro ciclo atende a crianças de 6 a 9 anos, o segundo de 9 a 12 anos e o terceiro de 12 a 14 anos de idade, finalizando o ensino fundamental. O mais importante nessa organização, é a concepção de que os educandos aprendem em tempos diferentes e, assim, cabe à escola buscar abordagens e estratégias diferenciadas para garantir o êxito de todos. Elimina-se, portanto, a organização seriada, propondo uma avaliação como processo, isto é contínua, e não como produto final (nota).
Essa forma é, sem dúvida, mais humanizadora e, embora tenha problemas que necessitam ser superados, é preciso ser amplamente discutida e encorajada. O autor, inclusive, a coloca como uma forte possibilidade de resistência à prática seriada, com base numa mudança curricular, na forma de avaliar, nas estratégias didáticas e na formação de um indivíduo crítico e autônomo.
É preciso que haja um diálogo com os pais e educandos acerca dessas concepções para que eles possam compreender a proposta e apoiá-la, tendo consciência do seu papel nesse contexto a fim de que haja êxito.
Outro ponto que necessita ser observado é que, no caso dos ciclos, os educandos são agrupados de acordo com a idade e os professores são responsáveis pela aprendizagem de todos, exigindo uma ação docente efetivamente coletiva e reflexiva, pois se elimina a ação individual do educador.
Além disso, a escola passa a ser um espaço de vida e não mais um espaço que prepara para a vida. Isso significa que a vida acontece na escola, relações sociais são travadas e precisam ser mediadas. O currículo precisa estar adequado para que os educandos compreendam a conexão entre os conteúdos escolares e a vida social. É preciso que as aprendizagens tenham uma função clara, ou seja, uma função social. O educando é agente ativo nesse processo, ele constrói seu conhecimento e o professor tem um papel muito importante ao propor intervenções pontuais e realizar agrupamentos que viabilizem um comportamento de cooperação e solidariedade. Se na lógica seriada, as relações humanas ficavam fora da sala de aula, agora este espaço é visto como propício para a construção delas.
O educando precisa pensar, questionar, refletir, compreender e atuar, tornando-se um ser autônomo e consciente do seu papel. A escola deve ser um espaço agradável, em que haja prazer ao freqüentá-lo.
O autor, ao analisar todas essas variáveis, se coloca a favor da implantação dos ciclos, sobretudo por ser uma possibilidade de resistência e afronta à lógica seriada, que precisa ser deixada para trás.
Isso significa que, agora, já não dá mais pra voltar: seria um retrocesso. Voltar à organização seriada seria admitir e atestar que estamos nos conformando com uma educação opressora e desumana. Assim, não só me coloco a favor dos ciclos, como proponho que os princípios aqui citados sejam amplamente difundidos em busca de uma educação como momento de vida.
CARINHOSAMENTE
PROFESSORA NEYDE
Freitas, então, propõe uma análise das lógicas presentes na educação e que devem ser consideradas para mudanças na organização do sistema. Dentre essas lógicas, ele ressalta a lógica da escola e os aspectos pertinentes a ela. Um desses aspectos é a relação histórico-cultural que se estabeleceu por muito tempo: a dominação do aluno pelo professor. A obediência, o silêncio, a disciplina e a autoridade docente sempre foram exercidas de maneira a coibir qualquer comportamento subversivo, sempre mantendo a organização capitalista de exploração do homem pelo homem.
Um dos aspectos de manutenção dessa autoridade é a avaliação. O aluno ia para a escola para “tirar notas”, numa forma de ensino totalmente fragmentada e muito distante da vida social. Preparavam-se pessoas para terem “bons empregos” e os “bons patrões” eram formados pelas escolas da rede privada, como forma de manutenção da ordem social vigente.
A avaliação funcionava como forma de ameaça, a fim de punir aquele que fosse contra os princípios impostos pelo professor. Este por sua vez, formado neste contexto, também não refletia sobre sua prática. Esse panorama relaciona-se ao regime escolar seriado, isto é, ao final de cada ano letivo, o aluno que não tivesse desempenho considerado satisfatório, era reprovado e deveria, no ano seguinte, rever todo o conteúdo novamente.
Essa era uma prática excludente, uma vez que se agia como se esse educando não tivesse aprendido absolutamente nada, tendo de rever algo que ela já havia visto para, depois, rever as “matérias” em que ele havia tido mau desempenho. Acontece que, ter êxito a partir de um currículo que não lhe tinha familiaridade, pois era muito diferente do que ele vivenciava no seu cotidiano, certamente seria um fator de desestímulo, atrelado ao fato vexatório de ver seus colegas em outra série e tendo de conviver com outros que não correspondiam às suas expectativas, dada a diferença de idade. Isso ocorria por anos, até que o estudante saía da escola. Essa “exclusão silenciada” o fazia pensar que “não era capaz de aprender”. Nestes casos, a própria família o encorajava a desistir dos estudos.
Esse fato “retirava” da escola aqueles alunos indesejáveis, permanecendo apenas aqueles que se adequavam ao sistema. Por isso, muitas pessoas dizem, erroneamente, que a escola era melhor do que hoje. Claro: se analisarmos dessa forma, tirando-se os alunos indesejáveis, realmente só ficavam aqueles que se adequavam.
Neste sentido, era preciso que ocorressem mudanças no sistema para formar uma resistência a essa forma perversa de organização escolar. Assim, duas propostas foram colocadas em prática: em Belo Horizonte, o sistema de ciclos e, em São Paulo, a progressão continuada.
Acerca da progressão continuada, alguns pontos precisam ser analisados. Na tentativa de adequar a idade do educando à série, foi eliminada a repetência anual e, ao final do quarto ano, seria realizada uma avaliação para verificar o desempenho desses educandos. Além disso, o possível “bom desempenho” seria garantido com práticas compensatórias paralelas (reforço fora do horário, recuperação contínua e paralela).
Entretanto, esse sistema foi alvo de muitas críticas por pais e, sobretudo, por educadores. Disseminou-se a seguinte idéia: “ora, se antes os alunos estudavam pra ‘passar de ano’, agora todos passam, então, por que vão estudar?”. Os professores acostumados a utilizar a avaliação e as notas como forma de ameaça, agora se sentiam “sem tal poder”. Isso causou críticas ferrenhas e indignação de todos, visto que não houve uma discussão prévia sobre a necessidade de mudança das práticas e concepções pedagógicas.
Passada mais de uma década da implantação da progressão continuada, me pergunto: será que a escola já se recuperou? Ou, mais ainda, será que a escola já se adequou ao sistema? Para verificar isso, o governo paulista lançou mão de instrumentos de avaliação externa, como é o caso do SARESP, que visa avaliar o desempenho dos educandos ao final do ciclo e, caso a escola tenha êxito, os professores são “premiados” com um bônus. Fica, aí, uma questão importante: será que as práticas pedagógicas e a forma de avaliação comumente utilizada na escola correspondem à forma de avaliação do SARESP? Esse instrumento, de fato, garante um diagnóstico que possibilite a reflexão da comunidade escolar sobre como melhorar o ensino? Essas questões deveriam ter sido avaliadas antes da implantação da progressão continuada, de forma que ela fosse adequada às necessidades de mudanças na escola e tivesse a participação de todos. Uma mudança vertical, através de decretos e resoluções, certamente não é a forma mais democrática de propor uma escola que busque a qualidade da educação enquanto formação humana.
Outra forma de mudança foi implantada em Belo Horizonte, que é o caso dos ciclos. O autor procura enfatizar a diferença entre ciclos e progressão continuada, que vêm sido confundidas e que se faz necessário compreender que ambas se originam de diferentes concepções. No caso dos ciclos, o que se propõe é uma reorganização de tempos e espaços na escola, organizando-se em três etapas distintas: infância, puberdade e adolescência. Assim, o primeiro ciclo atende a crianças de 6 a 9 anos, o segundo de 9 a 12 anos e o terceiro de 12 a 14 anos de idade, finalizando o ensino fundamental. O mais importante nessa organização, é a concepção de que os educandos aprendem em tempos diferentes e, assim, cabe à escola buscar abordagens e estratégias diferenciadas para garantir o êxito de todos. Elimina-se, portanto, a organização seriada, propondo uma avaliação como processo, isto é contínua, e não como produto final (nota).
Essa forma é, sem dúvida, mais humanizadora e, embora tenha problemas que necessitam ser superados, é preciso ser amplamente discutida e encorajada. O autor, inclusive, a coloca como uma forte possibilidade de resistência à prática seriada, com base numa mudança curricular, na forma de avaliar, nas estratégias didáticas e na formação de um indivíduo crítico e autônomo.
É preciso que haja um diálogo com os pais e educandos acerca dessas concepções para que eles possam compreender a proposta e apoiá-la, tendo consciência do seu papel nesse contexto a fim de que haja êxito.
Outro ponto que necessita ser observado é que, no caso dos ciclos, os educandos são agrupados de acordo com a idade e os professores são responsáveis pela aprendizagem de todos, exigindo uma ação docente efetivamente coletiva e reflexiva, pois se elimina a ação individual do educador.
Além disso, a escola passa a ser um espaço de vida e não mais um espaço que prepara para a vida. Isso significa que a vida acontece na escola, relações sociais são travadas e precisam ser mediadas. O currículo precisa estar adequado para que os educandos compreendam a conexão entre os conteúdos escolares e a vida social. É preciso que as aprendizagens tenham uma função clara, ou seja, uma função social. O educando é agente ativo nesse processo, ele constrói seu conhecimento e o professor tem um papel muito importante ao propor intervenções pontuais e realizar agrupamentos que viabilizem um comportamento de cooperação e solidariedade. Se na lógica seriada, as relações humanas ficavam fora da sala de aula, agora este espaço é visto como propício para a construção delas.
O educando precisa pensar, questionar, refletir, compreender e atuar, tornando-se um ser autônomo e consciente do seu papel. A escola deve ser um espaço agradável, em que haja prazer ao freqüentá-lo.
O autor, ao analisar todas essas variáveis, se coloca a favor da implantação dos ciclos, sobretudo por ser uma possibilidade de resistência e afronta à lógica seriada, que precisa ser deixada para trás.
Isso significa que, agora, já não dá mais pra voltar: seria um retrocesso. Voltar à organização seriada seria admitir e atestar que estamos nos conformando com uma educação opressora e desumana. Assim, não só me coloco a favor dos ciclos, como proponho que os princípios aqui citados sejam amplamente difundidos em busca de uma educação como momento de vida.
CARINHOSAMENTE
PROFESSORA NEYDE
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